Crônica da Semana: O Baladeiro

CRÔNICA DA SEMANA: O BALADEIRO
Naquele tempo era possível sentarmos nas calçadas e jogar conversa fora. O tempo passava sem compromisso. Conhecíamos nossos vizinhos pelos seus nomes, cada um deles, seus pais, filhos, irmãos, tios, primos e quiçá toda a árvore genealógica. Não havia aquela guerra de todos contra todos, jogos de vaidades, até trocávamos paneiros de frutas e hortaliças por cima da cerca, quando não gritávamos: “Ei vizinho abre a porta” e sem questionamentos não só a porta da casa era aberta, mas toda uma intimidade familiar.

Foi-se um tempo que as relações não eram virtuais, nem sabíamos o que era isso. Éramos muitos mais presenciais na vida das pessoas com abraços fortes e beijos fraternos do que uma simples troca de LIKE, nem sabíamos o que era isso. Brincadeiras de ruas eram comuns no fim de tarde, juntavam-se vizinhos nas calçadas e janelas que por horas ficavam acompanhando aquelas disputas: cabo de guerra, roda peão, queimada, cemitério, amarelinha, pira-esconde, pelada, pega-pega, pula corda, bola de gude, jogo de botão.

Nos sábados, os céus das praças ficavam pintados de pipas desde as mais exóticas até as mais simples feitas de talas e plásticos, que se misturavam com as fiações das casas. Éramos felizes, eram nossos LIKES deixados uns nos outros. Eu era de uma época que nem falávamos em Bullying, nem sabíamos o que era isso, por isso não falávamos em advogados e tribunais, naquela época existia a chamada “encarnação”, todo mundo encarnava em todo mundo, um zombava do outro, tirava-se a forra e a gente se resolvia ali mesmo, no final estava tudo bem. Não tínhamos celulares, quando queríamos combinar alguma coisa senão fosse pelo convite de papel, era na hora e no berro de cima da sacada ou apertando a campainha da porta do vizinho. A fofoca era presencial e não virtual via grupos de WhatsApp, a gente conhecia o fofoqueiro e ainda assim perdoávamos e naturalmente virava nosso amigo, e ainda convidavámos para festa de aniversário do filho minada de balões, refrigerantes, salgadinhos e brigadeiros e não tinha miséria. Respeitávamos nossos pais, avós, vizinhos e amigos, estes nossos maiores guardiões.
O tempo foi passando, a tecnologia chegando e tomando conta também das relações que deixaram de ser presenciais e passaram ser muito mais virtuais, reduzidas a tela de um computador ou um celular, dizem que as más línguas, que não quero acreditar, que até a vida de um país hoje se decide num grupão, já pensou? Todo mundo quer aparecer, ter voz, ser um digital influencer e quanto mais se fala “abobrinhas” mais se faz sucesso.
Afinal de crônicas…tem horas que a gente cansa disso tudo, e quer voltar no tempo.

Sair do on line e viver o melhor da vida in off line. Neste fim de semana, pelo menos por algumas horas, desligue-me e entrei no universo da baladeira. Remeti-me aos meus vinte e poucos anos, foi muito gratificante em poder ver famílias reunidas, conversas despretensiosas entre amigos, risos, tudo ali, em tempo real, palpável, humano. Não havia vaidade e o único luxo éramos nós mesmos e nossas baladeiras, estilingues ou atiradeiras, como assim queiram chamar.
Que bom que ainda podemos vivenciar isso nos tempos de hoje. Participar de campeonatos sadios que o perdedor também é vencedor, por que o que valeu foi o caminho (a preparação) e não a chegada.
Por algumas horas percebi que o mundo virtual teria dado uma trégua deixando o presencial reinar. O bacana que todas as idades estavam ali presentes. Reinou o SER e não o TER. Que bom saber que ainda há pessoas dotadas de simplicidade e criatividade. Diversão não tem idade.
Curiosidade 1:
Estilingue, também chamado atiradeira, chiloida, baleadeira, baladeira, funda, bodoque e badogue em partes do Brasil, fisga ou cetra em Portugal é chamado de fisga e xifuta em Angola, é um tipo de atiradeira – um objeto usado para o disparo de projéteis, impulsionado por força mecânica manual, com auxílio de elásticos. As formas clássicas de estilingue são construídas com um galho de árvore forquilhado, em forma de “Y” munido de tiras elásticas. Sua história, por tanto, não remonta a épocas anteriores à invenção da borracha.

Estilingues, em boa parte de sua história inicial, eram artesanais, feitos pelo próprio usuário; todavia, a partir do início do século XX começou-se a produção em grande escala para venda, o que contribuiu para surgirem estilingues de outros formatos e de outras matérias primas como madeira entalhada, plástico ou metal (Wikipédia, a enciclopédia livre).
Curiosidade 2:
No Brasil há muitos torneios de baladeiras nas modalidades individuais, dupla e equipe além das premiações dignas de subidas ao pódio.
Curiosidade 3:
Assim como qualquer outro torneio o regulamento se faz lei entre as partes, qualquer violação leva a desclassificação # Fica a dica.

Porém, por tudo que eu vi o que valeu mesmo foi a volta as raízes das relações interpessoais. O contato direto com o outro, o lúdico, a competição sadia, foi o ver e ser visto e a todos que amam esta arte ficam estas baladas. Parabéns a todos os envolvidos.
Entre o real e o imaginário, a verdade e a fantasia, o que nem eu nem mais sei, encerro a crônica da semana. Fiquem com Deus.

Ary Vital Filho.